Conto: Uma Sophia
- terça-feira, julho 08, 2014
- Postado por Um Novo Sol PJ
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[...]
Certo dia, ao sair para caminhar, Sophia
perdeu-se em pensamentos e nos detalhes das coisas. Caminhou, caminhou,
caminhou e sentiu-se anestesiada. Nada mais tocava nela e tinha algum impacto.
Era como se tivesse perdido o sentido do tato. Estava de saco cheio.
Em casa ela mal conversava com os pais e o
irmão mais velho. Aquilo tudo era um saco, pensava ela. Mas a verdade é que
Sophia sempre se sentiu como um rascunho, cheio de erros e incompleto. A cada
dia que passava ela tentava, apesar de seus medos, encontrar algo que a fizesse
sentir completa.
Caminhar
pelas ruas do seu bairro era desgastante para Sophia, pois via sempre pessoas
completamente incompletas e se perguntava se alguma delas morria enquanto vive;
se viver anestesiado e numa rotina as fazia feliz ou se as fazia morrer um
pouco mais a cada dia, mas morrer de uma forma diferente; não da forma que todo
ser humano é condicionado simplesmente por ser vivo.
Sophia, Ã s vezes, pensava em terminar o ensino
médio e fazer faculdade, trabalhar, se aposentar e definhar numa cadeira de
asilo igual aos seus avós, abandonados pela famÃlia e pelo sistema, o que seria
mais fácil. Mas não, para ela aquilo era muito torturante. Viver numa rotina
condicionada a fazer o que os outros querem que ela faça é um sacrifÃcio direto
para o rei dinheiro. Sophia acreditava no amor e nas coisas simples da vida.
Ela não queria ser agente opressor ou um alguém alienado.
Geralmente,
seus dias passavam quase que em câmera lenta, movidos por um tom cinza, uma
chuva densa e uma vontade constante de não ver ninguém. Sophia realmente se
sentia cansada mesmo sabendo que não
fazia nada demais, assim como todas as outras pessoas. Ela só vivia e deixava
os dias passarem; era tudo muito sistemático. Sistemático: talvez essa fosse a
palavra que resumisse tudo. Dia. A. Dia. Rotina. Pessoas pensando apenas nelas
mesmas. Olhar para a frente. Pro espelho. Para si. Tudo isso era desgastante para
a doce Sophia. Seu modo de ver a vida era diferente, mas ninguém enxergava
isso. Ninguém.
[...]
Passou a frequentar lugares escuros e cheios
de pessoas esquisitas. Aventurava-se nestes ambientes com vinte reais no bolso
e uma vontade incessante de conhecer coisas novas. Havia ali, naquele lugar,
pessoas com deformidades e aparência fora do que a tv sempre mostrou.
Apresentaram à ela diversas novas formas de olhar o mundo, de falar e de ser.
Sophia se permitiu à isso e se transformou: ia à escola com mais ânimo, vontade
de mostrar que é diferente, de forma a influenciar seus amigos. Eles não
precisavam continuar sendo marionetes, pessoas sem sonhos e perspectivas.
A querida cannabis não foi vilã para Sophia.
Com ela, passou a participar mais das atividades da escola, das aulas de
história, filosofia e sociologia, além de fundar o grêmio. Em dias como 'dia do
Ãndio' ou 'da consciência negra', Sophia sempre era quem corria atrás de
realizar alguma atividade na escola. Por incrÃvel que pareça isso foi mudando,
aos poucos, a mente das pessoas que frequentavam aquele ambiente. Suas pequenas
atitudes diárias se tornaram mudança na mente de seus colegas. Os professores
então? - Ah, eu apoio Sophia! diziam.
[...]
Deitada de costas pra cima a doce Sophia
viajava. Viajava pra longe da rotina. Não era mais necessário ser salva por uma
droga. Se bem que as pessoas têm uma visão errada sobre droga, pensava. Pra ela
a droga era o sistema no qual viviam, pois ele sim deixava as pessoas
imobilizadas, sem pensar, atrofiadas e só alguns conseguiam perpassar isto.
Sophia
viu o que poucos viam, abriu os olhos para a luz, se permitiu e, desistir da
vida não estava nos seus planos. "Mesmo que demore, mesmo que seja
utópico, vou fazer parte da criação de um novo mundo e quando isso estiver
feito não serei um rascunho feito à mão tremida."
Autora: Rafaela Campos.
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